quarta-feira, 17 de setembro de 2008

E um belo dia a deusa dos ventos beija o pé do homem, o maltratado, o desprezado pé, e desse beijo nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola. Desde que aprende a andar, sabe jogar. Quando criança alegra os descampados e os baldios, joga e joga e joga nos ermos dos subúrbios até que a noite cai e ninguém mais consegue ver a bola, e quando jovem voa e faz voar nos estádios. Suas artes de malabarista convocam multidões, domingo após domingo, de vitória em vitória, de ovação em ovação.

A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois, milhões de mudos conversam. Os Zé Ninguém, os condenados a serem para sempre ninguém, podem sentir-se alguém por um momento, por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham zês na grama, esses golaços de calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga, o time tem doze jogadores.

- Doze? Tem quinze, vinte!

A bola ri, radiante, no ar. Ele a amortece, a adormece, diz galanteios, dança com ela, e vendo essas coisas nunca vistas, seus adoradores sentem piedade por seus netos ainda não nascidos, que não estão vendo o que acontece.


Eduardo Galeano, Futebol ao sol e à sombra

3 comentários:

Anônimo disse...

porra é essa?

Isabella Araújo (Zabella) disse...

belo texto!
mas pensei que fosse Bruno falando de algum atacante botafoguense. Tava na maior expectativa rsrsrsrs...

warley.morbeck disse...

Pena que esses craques não existam mais hehehe

Warley Morbeck
http://flamengoeternamente.blogspot.com/